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quinta-feira, 4 de outubro de 2007

COMO REDIGIR UM TEXTO NÃO REVELANDO O OBJETO

O que vamos estudar agora é um pouco comprido. No normal são apenas 29 páginas. Mas se você ama a língua portuguesa, com certeza vai ter paciência e, principalmente, vai adorar este estudo. Boa sorte!

Como redigir um texto não revelando o objeto

1. Introdução
Esta técnica foi mencionada quando foram apresentadas fórmulas para iniciar textos. Omitir, no início do texto, o objetivo ou idéia (e só revelá-los adiante) é um artifício original que desperta a curiosidade do leitor. O expediente, no entanto, pode se estender a todo o texto, como demonstramos nesta seção. A par de outros ganhos que podem advir da produção de textos dentro deste modelo, é preciso ter presente que essa tarefa, de cunho lúdico e desafiador, se presta, ao lado de outras aqui apresentadas, a desenvolver ou resgatar o gosto pela escrita. Foi observado, com freqüência, a satisfação do aluno, a auto-estima aumentada, por ter produzido algo novo, criativo, surpreendente. O aluno sente-se mais confiante, pois se reconhece como um ser criativo, com poderes de linguagem.
2.Textos
2.1 Textos-modelos

Objeto Estranho

Carlos Drummond de Andrade
Um objeto estranho ameaça incorporar-se à elegância masculina, segundo informa o colega Zózimo. Seu aparecimento ocorreu na Itália, e sua presença já se faz sentir em outras capitais européias. É a maçaranduba. A primeira singularidade da maçaranduba consiste em que ela absolutamente não participa da sorte das demais peças do equipamento humano a que se junta. É que a maçaranduba fica perto do vestuário, sem se ligar a ele. É ciosa de sua independência, ao contrário dos outros elementos que colaboram na apresentação do homem em público. Estes seguem conosco na condição de servos dóceis, ao passo que ela mantém liberdade de movimentos. E exige de nossa parte atenções especiais, sob pena de abandonar-nos à primeira distração. Concorda em fazer-nos companhia, mas sem o compromisso de aturar-nos o dia inteiro. Dir-se-ia, mesmo, que nós é que a acompanhamos no seu ir e vir pretenciosamente pelas ruas. A maçaranduba está sempre à mostra, ostensiva e vaidosa. Sua tendência é para assumir a liderança do conjunto e exibir-se em envoluções fantasistas, que exigem certas habilidades do portador. Assim, quando não tem o que fazer (e de ordinário não tem) descreve círculos e volteios que pretendem ser graciosos em sua gratuidade. A maçaranduba parece ter mau gênio? Parece, não: tem. Já o demonstrou sempre que algum transeunte lhe despertou antipatia ou lhe recordou episódios menos agradáveis. Pois é. A maçaranduba não é de suportar opiniões contrárias às suas. À falta de melhor argumento, na polêmica, ergue-se inopinadamente, avança como um raio e procura alcançar a parte doutrinária alheia nos pontos mais vulneráveis, desde o lombo até os óculos. Sua agressividade impulsiva costuma levá-la à polícia, quando não se recolhe inerte e indiferente a um canto deixando que seu portador pague a nota dos estragos. A maçaranduba é basicamente feita de madeira, às vezes se beneficia de espécies vegetais não compactas, o que lhe permite estocar recursos ofensivos de grande temibilidade. Ao vê-la se aproximar, tome cuidado, pois sua ira não se satisfaz com simples esquimoses. A maçaranduba costuma gostar de ornatos, e uma que pertencia a Balzac era cravejada de pedras preciosas... A impertinência da maçaranduba, para não dizer arrogância, deve-se talvez ao fato de que em outras eras foi símbolo de poder e, sob formas diversas, esteve ligada à realeza e a seu irmão gêmeo, o absolutismo. Em mãos governamentais, era duplamente terrível: pela contundência material e pela espiritual. Ter sido a maçaranduba elemento de garridice feminina, durante a Idade Média até a Renascença, não lhe adoçou o temperamento. Passando a andar só com os homens, nem por isso dispensa maior cortesia às mulheres e, na hora de zangar-se, é incapaz de distinguir is sexos. Diga-se em favor da maçaranduba, para que o retrato não fique excessivamente carregado, que algumas espécimes são inclinadas à generosidade, e se comprazem em ajudar pessoas encanecidas ou faltas de visão. Contudo trata-se de exceção. A maçaranduba tem um irmão soturno, que paradoxalmente só se anima a passear quando começa a chuva, e sob o aguaceiro se diverte disputando lugar. Muitas vezes este irmão gêmeo imita a mania elegante, no ataque ao próximo. Cuidado com a maçaranduba, amigos pacíficos: trata-se de objeto às vezes voador, identificado.






Chega, Basta e Fora!

Cyro Silveira Martins Fº
Os acontecimento que o Brasil viveu nessa quinta-feira mostram que caminhamos para um terreno perigosamente pantanoso. As trevas rondam. A anarquia ressurge dos bueiros com poder e majestática soberba. A autoridade que deveria se impor parece inerte e o Brasil hesita e titubeia diante da vontade de uma minoria hábil, atuante e turbulenta, que consegue utilizar-se com destreza da mídia - impressa, falada e televisionada - e consegue impor sua vontade à imensa maior parte dos cidadãos contribuintes e votantes. E, mais, consegue arrastar em sua cantilene de sereia curvilínea os ingênuos e os que ainda têm a consciência em formação. Poucos gatos, pingados, mas ardorosos e ousados, que não respeitam leis, regulamentos, regras nem lógica, história, tradição ou costumes. Nós, os brasileiros verdadeiramente patriotas, não podemos assistir placidamente ao Brasil tendo seu leme quebrado, perdendo o rumo, submetido pela força das idéias exóticas, totalmente desvinculadas de nossa realidade de povo manemolente. Idéias que em nada dizem respeito à nossa natureza espontânea, à nossa exuberância criativa de nação multifacetada étnica, cultural e geograficamente. Esses, que tentam se impor pela força, desprezando a opinião da avassaladora maioria, se opondo à opinião pública manifestada democraticamente, só contribuem para fragilizar o Brasil diante dos outros países. E para transformar o país numa presa fácil para os predadores estrangeiros. Porque tanto Europa como América Latina só esperam um momento de fraqueza nosso para arremeter e tentar nos colocar de joelhos diante de seus ataques. Mais ainda. A arrogância desses que se autoconcedem a onisciência de apenas eles, e ninguém mais que eles, saberem o que é bom para o Brasil, esses que se julgam certos ab initio ad infinitum, esses, que sequer se dignam a explicar aos demais o raciocínio anterior a suas atitudes, a arrogância dessa casta, diante da estupefação de milhões de pessoas, prenuncia uma tempestade de efeitos terríveis sobre a vida, o coração e alma de nós, brasileiros e patriotas. Não é possível que isso seja levado adiante. Não podemos, nós, que estamos vendo o Brasil ameaçado, permanecer calados. Há cheiro de 1974 no ar. Por isso: chega e basta. Fora Zagalo.




2.2 Texto de aluno

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Fábio Abreu dos Santos
No começo, ela era minha companheira nos momentos mais difíceis. Sempre que eu estava só, magoado com alguma coisa, houvesse brigado com minha esposa, discutido com os colegas do trabalho, me irritado com meus filhos, eu ia à sua procura. Aliás, com o tempo, qualquer motivo era suficiente para que corresse até ela, tal era o prazer que tal encontro me proporcionava. Ela sempre estava lá, de braços abertos, pronta para me receber, sem me fazer perguntas. Conseguia, de forma milagrosa, confortar-me e fazer-me novamente feliz em questão de segundos. Seu brilho me seduzia, sua voz era como música para meus ouvidos. Uma aura emanava em torno dela. Às vezes na sala, às vezes no quarto, com as luzes apagadas, eu era seduzido por ela, de tal forma que respondia, sem dizer não, a todos os seus apelos. Mas hoje, parece que ela já perdeu um pouco daquele brilho, aquela cor que enfeitava sua fronte. Nossa relação amorosa foi, pouco a pouco, se deteriorando. Talvez fosse a idade dela, talvez fosse seu tamanho. Afinal, convenhamos,14 é muito pouco. Resolvi trocá-la por outra, muito mais bonita, maior, um pouco usada, mas nem tanto. Minha família, após descobrir minhas intenções, até deu-me incentivo para realizar a troca. As crianças, agora, não saem da frente dela. Minha mulher é sua fã número um. Sinceramente, não sei como conseguimos viver até hoje sem uma tv de vinte e uma polegadas.




Como iniciar textos

1. Introdução
A forma como se inicia um texto - e o próprio título - são importantes estratégias argumentativas na medida em que é decisiva no sentido de levar o leitor a ler o texto. De nada adiantam os argumentos, a relevânica do conteúdo, ou a própria informatividade, se o leitor não for persuadido a ler o que foi escrito. O esforço do escritor deve se concentrar, pois, em captar o interesse do destinatário de sua comunicação mediante um título e uma introdução atraente. "Te pego pela palavra", dizemos quando queremos cobrar de alguém coerência ou a manutenção da palavra dada. "Te pego pela introdução" - podemos parodiar - para retratar o principal empenho de quem escreve, que é de conquistar o leitor.
2. Fórmulas para iniciar textos
A seguir, apresentam-se doze fórmulas - as que se julgou mais comuns - para se iniciar textos.
2.1 Divisão
Consiste em citar os aspectos que serão abordados ao longo do texto. É uma fórmula bastante empregada, que facilita a organização do que se vai expor. Cuidado especial merece a retomada dos pontos mencionados nesse tipo de introdução no desenvolvimento do texto. Expressões do tipo "Quanto ao primeiro item", "No que tange ao...", "Finalmente, no que diz respeito..." vão dar coesão ao texto.Exemplos:

A falta que faz a leitura
Quando assumi o cargo de Editor de Qualidade no JB, em 1º de outubro de 1995 (deixei-o em 15 de outubro de 1996, para tornar-me, com grande alegria para mim, um auxiliar do velho amigo Orivaldo Perin no trabalho de dar forma final à 1ª página), tinha três preocupações básicas: 1. o empobrecimento da linguagem de jornal; 2. a vulgarização da linguagem de jornal; 3. a correção dessa mesma linguagem. A característica básica do empobrecimento é a preguiça, a falta de imaginação ou de originalidade, e, finalmente, a falta de informação literária ou de intimidade com o idioma, pois (...) Vamos ao segundo item, a vulgarização da linguagem, que busquei combater sempre nos relatórios a que minha função de Editor de Qualidade me obrigava.
Marcos de CastroRevista de Comunicação, maio, 97




Os meus medos
Tenho vários medos. Escuro, cachorro, ficar sozinho. Tenho medo do escuro, porque acho que vai aparecer alguma coisa, tipo assombração, algum bcho poderá me morder e eu não saber que tipo de bicho foi. Tenho medo de cachorro porque já fui mordido e precisei tomar várias injeções. Não quero que isso aconteça novamente. De ficar sozinho: tenho medo de aparecer ladrão, roubar a minha casa, me seqüestrar ou me matar. Poucos medos, né? Mas muito ruins, fora o cachorro.
Willian S. Buchiviese5ª série



2.2 Citação Direta
A citação direta é a reprodução literal do que alguém falou ou escreveu. Trata-se de uma fórmula que pode ser bastante importante e, ao mesmo tempo, uma importante estratégia argumentativa, uma vez que invoca, já no início do texto, a voz da autoridade.Exemplos:

A invenção da infância
"Você sabe mais do que pensa." Com essas seis palavras, Benjamin Spock iniciou Meu Filho, Meu Tesouro - e alterou radicalmente a criação dos filhos. Spock, porém, cedeu a primazia revolucionária ao bispo morávio Johann Amos Comenius, que viveu 300 anos antes. Quando aconselhou em A Escola da Infância que os bebês tivessem seus espíritos estimulados por "beijos e abraços" e escreveu que as crianças precisam brincar para aprender, Comenius se tornou um pioneiro.
Veja - Especial do Milênio




Mais amigável
"Os computadores não são máquinas simpáticas", diz o canadense Sidney Fels, professor da Universidade da Colúmbia Britâncica. "Poucos consegum interagir com o micro com a mesma intimidade com que um pintor usa um pincel." Em busca de uma melhor interação, o cientista desenvolveu o Glove Talk, uma espécie de luva feita por realidade virtual que é capaz de transformar sons em linguagem de sinais, usada por sudos-mudos. Fels também é o inventor do Iamascope, um caleidoscópio que identifica o rosto do usuário e toca melodias conforme este se movimenta.
Época 29 de junho de 1998




"O cliente é rei!", afirma John Wanamaker, fundador da grande cadeia de lojas que leva seu nome, "o cliente é ditador", acrescenta Sir Richard Greennsbury, diretor-executivo da Mrak & Spencer, "o cliente é Deus"", finaliza Michael Dell, diretor-executivo da Dell Computer Corporation - e todas as empresas querem ter mais clientes. Muitas empresas, no mundo e no Brasil, criam mecanismos para satisfazer os clientes que já possuem.
Revista Amanhã - agosto de 1998



2.3 Citação Indireta
É a reprodução não-literal do que alguém falou ou escreveu. A fórmula deve ser usada quando não sabemos textualmente a citação, pois assim não estaremos adulterando o que foi dito ou escrito, acrescentando, subtraindo ou substituindo palavras de seu autor.Exemplo:

Ser ou não
Disse Alexandre Dumas que Shakespeare, depois de Deus, foi o poeta que mais criou. Aos 37 anos, já escrevera 21 peças e inventara uma forma de soneto. Era um rico proprietário de terras e sócio do Globe Theatre, de Londres. Suas peças eram representadas regularmente para a rainha Elizabeth I. Na Tragégia de Hamlet, Prícipe da Dinamarca, publicada em 1603, Shakespeare superou a si mesmo, tomando uma antiga história escandinava de fraticídio e vingança e transformou-a numa tragédia sombria sobre a condição humana, traduzida quase 1000 vezes e encenada sem cessar. Sarah Bernhardt, John Gielgud, Laurence Olivier, John Barrymore e Kenneth Branagh, todos buscaram entender o melancólico dinamarquês.
Veja - especial do Milênio



2.4 Pergunta
Iniciar o texto mediante pergunta(s) desperta a atenção, o interesse do leitor para o tema, levando-o a refletir sobre ele. A(s) pergunta(s) orienta(m) o desenvolvimento do texto, todo seu processo argumentativo.Exemplos:

Onde estão os melhores programas da TV a cabo? Que programas merecem que se reserve um bom tempo para a televisão? Quais as diferenças entre canais que oferecem programação do mesmo gênero? Onde encontrar bons documentários, filmes inéditos, notícias ao vivo, transmissões esportivas? A equipe da revista da TV sentou-se na frente da televisão, de controle remoto em punho, e apresenta este número especial, concebido como um guia da TV que os gaúchos assinam. Que ninguém se enrosque nos cabos, nas antenas ou na informação. Televisão por assinatura é toda modalidade que se paga pra acessar. (...)
Zero Hora, 27 de junho de 1999




Adiós, Neruda

Poeta chileno não serve mais nem para arranjar namorada
Sabe aquele Neruda que você me tomou - e nunca leu? Pode ficar com ele. O tempo mostrou que o chileno Pablo Neruda foi um poeta interessante, mas não um dos maiores da língua espanhola. Atingiu cedo o auge, com Residência na Terra (1925-1931), mas nas outras 7000 páginas que se gabava de ter escrito mais diluiu do que refinou esse êxito. Tratava-se também de uma personalidade notável, só que pelo narcisismo e pelo dogmatismo político. Escreveu que Stalin era "mais sábio que todos os homens juntos". Jamais aceitou que o assassinato de milhões pela ditadura soviética pudesse ter algo de criminoso.
Veja - 12 de setembro de 1998




O armazenamento de ódios
Como descrever a atual configuração do poder mundial? Desapareceu a terrível simplicidade do conflito bipolar leste-oeste, mas não voltamos ao mundo multipolar do balanço europeu no século passado, quando várias potências competiam pela liderança. Existe hoje uma única superpotência - Os Estados Unidos - com poderio global, político, militar, econômico e cultural. Mas seria exagero falar num mundo unipolar, como nos tempos do Império Romano, o qual podia impor sua vontade sem buscar ou temer coligações.
Veja - 28 de abril de 1999



2.5 Frase Nominal
Uma fórmula bastante criativa de se iniciar textos é mediante o emprego de uma ou mais frases nominais, seguida(s), em geral, de uma explicação. Exemplos:

Decepção. Foi o que os moradores de Pelotas e distritos sentiram após o anúncio do plano rodoviário do governo do Estado para 1999. Nenhuma das estradas com a conclusão prevista para este ano passa pelo município. (...)
Zero Hora - 30 de maio de 1999




Garra. Determinação. Entusiasmo. Esse é o espírito que parece estar de volta ao Estádio Olímpico. Desde os tempos de Felipão como técnico do tricolor não se via um time com tanto afinco no gramado do Olímpico.
Zero Hora - 21 de junho de 1999




Com respeito e dedicação. É dessa forma que você e seus investimentos serão tratados no Citigold.
Anúncio do CITYBANK - Exame, 30 de junho de 1999




ADÚLTERA, MÁ COMPANHEIRA, TRAIDORA... ZÁS!! Lá se ia um nariz. Entre os séculos V e VI, as mulheres indianas (sempre as mulheres...) que eram julagadas por prevaricação tinham os narizes amputados. Essa atrocidade machista levou um cirurgião chamado Susruta a usar um retalho de pele retirado da testa para reconstruir o nariz. A técnica é utilizada até hoje para algumas cirurgias reconstrutoras e é chamada de retalho indiano. De lá para cá, muita coisa mudou. Mas, se a questão não é mais acabar com a máfama, muita gente sofre por causa de um nariz desproporcional ao rosto.




Revolucionário, vencedor e grande companheiro. Palavras como estas foram ditas com orgulho, saudade e muita emoção pelos vários amigos que compareceram ontem à capela do Beira-Rio para o velório de Gilberto Tim, enterrado à tarde no Cemitério Jardim da Paz, na Lomba do Pinheiro.
Zero Hora, junho de 1999



2.6 Alusão a um romance, filme, conto, etc.
Escrever é aproveitar criativamente outros materiais interdiscursivos, isto é, outros textos. É muito comum, portanto, ao escrevermos sobre determinado assunto, nos reportamos a outros textos, como romances, filmes, contos, poemas, etc. Exemplos:

Fui ao cinema ver Michelle Pfeifer em Nas Profundezas do Mar sem Fim, que conta a história de uma mãe que perde um de seus filhos, de três anos, num saguão de hotel e só volta a encontrá-lo nove anos mais tarde. O roteiro preguiçoso resultou num filme raso, mas uma frase dita pela personagem de Whoopi Goldberg me trouxe até aqui. Depois de todos os abalos familiares decorrentes do desaparecimento do filho do meio, a mãe vivida por Michelle Pfeifer se refaz e constrói, aos poucos, o que a detetive vivida por Whoopi chama de "uma boa imitação de vida". Pessoas que passam por uma grande tragédia pessoal têm vontade de dormir para sempre. Nos dias posteriores ao fato, não encontram forças para erguer uma xícara de café ou pentear o cabelo. Sorrir passa a ser um ato transgressor, que gera uma culpa imensa, pois é como estivéssemos nos curando do sofrimento. Passada a fase de hibernação voluntária, porém, é isso que tem que acontecer: curar-se. Voltar a viver. Mas como, se já não existe a alegria original? Rastreando a alegria perdida para tentar imitá-la.
Zero Hora, 20 de julho de 1999Martha Medeiros




Na mitologia grega, Prometeu é o titã que rouba o fogo dos deuses e é por eles condenado a um suplício eterno. Preso a uma rocha, uma águia devora-lhe constantemente o fígado. Trata-se de uma lenda altamente simbólica e aplicável à época atual. O fogo aí alude ao conhecimento, à técnica. Por esse conhecimento, por essa técnica, paga o ser humano um preço às vezes muito alto. Isso é particularmente verdadeiro no campo da medicina, sustenta, em artigo publicado no New England Journal of Medicine, o geriatra James S. Goodwin (Universidade do Texas).
Zero Hora, 12 de julho de 1999Martha Medeiros



2.7 Narração - descrição por flashes
Introduzir um texto narrando - descrevendo um fato, uma cena de forma cinematográfica, mediante flashes, isto é, mediante frases curtas, nominais é uma forma bastante surpreendente de obter a atenção do leitor, fazendo com que ele se interesse pelo texto. Exemplos:

Chegam à casa ao entardecer. São um pequeno grupo de policiais. Todos uniformizados. Passeiam pela sala e olham a biblioteca. Riem com sarcasmo. Pegam o livro História da Diplomacia. "Assim que os kosovares descendentes de albaneses também querem ser diplomatas?" Mudam o tom da conversa. Gritam. "Nos dê chaves", exigem. "Pegue uma mala", ordenam. "Deixa o resto. Tens 10 minutos. Logo irás para a Albânia e nunca mais voltarás. Nem sequer poderás voltar a sonhar com Kosovo", profetizam.
Zero Hora, 16 de junho de 1999Martha Medeiros




Favela. Clima tenso no ar. Polícia. Tiroteio, desespero. Angústia, apreensão. Uma vítima: menino, 13 anos de idade, sonhador.
Daniel lemos



2.8 Narração de um fato
Pode-se desenvolver determinado tema iniciando-se o texto com a menção a um fato. Tal procedimento ajuda a despertar a atenção do leitor, ao mesmo tempo em que empresta ao tema exposto maior realismo. Exemplos:

A nave se prepara para pousar. Da escotilha enxerga-se o solo arenoso e acidentado da Lua. É dia. O Sol brilha, intenso e dourado, como você o vê aqui da Terra, só que cercado de estrelas, num céu completamente negro. É que na Lua não existe atmosfera e, sem atmosfera, não tem os gases que, espalhando a luz solar, nos dão a ilusão de que o céu é azul. Na Lua, o firmamento é sempre escuro. A nave se aproxima ainda mais. Dá para ver, lá em baixo, jipes e robôs que zanzam pelas colinas. Homens vestindo macacões super-refrigerados e capacetes com oxigênio caminham pela planície como que em câmera lenta. É que lá a gravidade é uma lei mais fraca, mal corresponde a um sexto da gravidade que nos prende à Terra. O foguete pousa suavemente. Os passageiros se preparam para desembarcar. Colocam suas roupas com proteção térmica. Fora da cúpula protetora da primeira colônia terráquea, a temperatura atinge esturricantes 123 gruas Celsius. A cena descrita acima não é real, claro. Mas poderá ser. Já há cientistas da Nasa sonhando com ela, estimulados pela descoberta de que os pólos lunares contêm água congelada. Os primeiros cálculos sobre as observações da sonda Lunar Prospector, em março passado, mostram que o fundo das gélidas crateras polares guarda entre 11 bilhões e 330 bilhões de litros de água congelada. Derretido e purificado, o gelo serviria para matar a sede de mais 200 mil habitantes de uma base lunar por dois séculos. E também serviria de fonte de oxigênio, elemento indispensável para criar uma atmosfera artificial.
Paulo Nilson




O número de processos aumentou sete vezes em apenas uma década
Na sala de cirurgia, o médico Pedro Paulo Monteleone prepara-se para retirar o útero de Rosa Gonçalves Dias. Ás 7 horas da manhã, a paciente teve o intestino lavado e os pêlos pubianos raspados. Anestesia peridural que corta qualquer sensibilidade da cintura para baixo, faz efeito. Como Rosa tivera seus três filhos por meio de cesariana, Monteleone abre 12 centímetros de pele logo acima do púbis, no mesmo local dos cortes anteriores, para evitar uma nova cicatriz. É trabalhoso chegar até o útero. O médico corta uma primeira camada de gordura, abra à aponeurose, um tecido fino que envolve toda a cavidade abdominal, afasta os músculos peritoniais, e alcança o intestino. A cada etapa, grampos metálicos são colocados nas bordas das incisões para manter os órgãos afastados. O intestino é empurrado, com uma compressa, em direção ao umbigo. Em meia hora, o médico já enxerga bem o útero da paciente. A fase mais crítica da cirurgia começa agora. Com todo o cuidado, Monteleone corta os ligamentos que unem as trompas ao útero. Quando a paciente está deitada, a bexiga fica apoiada sobre o útero. É preciso afastá-lo com uma gaze, lentamente, e ir cortando com uma pequena tesoura os pedaços de tecido que unem as finas paredes dos dois órgãos. É como abrir um envelope, descolando as bordas, sem rasgar o papel. Monteleone sabe que qualquer corte 1 milímetro mais profundo pode perfurar a bexiga. Foi exatamente isso que aconteceu naquela manhã de agosto de 1994. O médico Monteleone furou a bexiga de sua paciente Rosa. Monteleone, 58 anos, obstetra e ginecologista há 33, é formado em uma das melhores universidades do país, a Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, onde também foi professor durante três décadas. Naquela manhã, ao perceber que tinha cortado a bexiga de Rosa, parou o que estava fazendo. Pediu fio e agulha apropriados à instrumentadora, costurou o órgão afetado com cinco pontos e só depois prosseguiu na retirada do útero. Duas horas mais tarde, quando a paciente já estava no quarto, ainda levemente sedada, o médico explicou-lhe o que ocorrera durante a operação. Se não fosse pelo rompimento da bexiga, Rosa teria alta do hospital em menos de 24 horas. Em razão do acidente, ela ficou com uma sonda e a internação foi prolongada por uma semana, até a ferida interna cicatrizar. Hoje, acadêmico renomado e profissional de sucesso, Monteleone preside o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Cremesp. Por sua mesa, na sede da entidade, passam quilos de papéis repletos de acusações graves contra seus colegas de profissão. São casos de erro médico. Em uma década, o número de processos por negligência ou imperícia encaminhados anualmente ao Conselho Federal de Medicina, CFM, a última instância por onde passam processos vindos de todo o Brasil, aumentou sete vezes. Ao todo, foram 356 processos . O número de condenados caiu porque o Conselho diz que não consegue julagr tantos casos. Há 200 na fila de espera.
Alexandre Mansur



2.9 Citação de Provérbio
O provérbio é utilizado, muitas vezes, como estratégia argumentativa, para sustentar o ponto de vista que se pretende defender ao longo do texto. Exemplos:

"Querer é poder", diz o ditado. Mas, em ciência a voz do povo muitas vezes está errada. Há 130 anos os cientistas querem encontrar um substituto para o sangue que, como ele, transporte o oxigênio para as células."
Lúcia Helena de Oliveira, revista Superinteressante, junho de 1998



2.10 Alusão Histórica
Para iniciar textos, pode-se lançar mão de fatos históricos, confrontando-os com o presente. Exemplos:

Imitação de Jânio
Itamar usa a oposição para espicaçar FHC Em 1961, o então presidente da república Jânio Quadros condecorou o guerrilheiro esquerdista Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Como Jânio não rezava pela cartilha marxista, na época muitos acharam que, ao tomar a decisão, ele estivesse duas doses a mais do que o resto da humanidade. Não estava. Ao homenagear Che Guevara, Jânio queria alvejar os adversários da direitista UDN, o partido que o ajudara a ser eleito e com o qual havia rompido. O tiro janista saiu pela culatra, mas a madalha concedida ao guerrilheiro entrou para a História como um clássico da provocação política. Quase quarenta anos depois, o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, resolveu imitar Jânio. No dia de Tiradentes, em Ouro Preto, o socialista de estilo montanhês distribuiu medalhas da Inconfidência, a mais alta honraria do governo mineiro, a personalidades da opisição. Só para espicaçar o presidente Fernando Henrique Cardoso, seu desafeto.
Veja, 28 de abril de 1999




Diplomacia americana usa como parceiro o míssil que atinge um alvo em qualquer região do planeta
No início do século, com os Estados Unidos recém-chegados ao time das potências internacionais, o presidente Teddy Roosevelt adotou a doutrina do porrete - "big stick", no inglês original - para impor a hegemonia americana aos vizinhos latino-americanos. Na essência, significava que Washington tinha disposição para desembarcar seus mariners onde quer que seus interesses fossem desafiados. Quase 100 anos depois, Bill Cinton escolheu como seu melhor argumento diplomático uma bomba voadora que pode atingir virtualmente qualquer alvo na superfície do planeta. O nome do porrete é Tomahawk. Na semana passada, com Saddam Hussein desafiando outra vez as Nações Unidas, o Tomahawk estava como nunca na ordem do dia.
Veja, 18 de novembro de 1998



2.11 Omissão de Dados Identificadores
Trata-se de iniciar um texto omitindo o tema nas primeiras linhas ou em todo o primeiro parágrafo, esclarecendo-o em seguida. Cria-se, assim, certa expectativa em relação ao que será abordado. Exemplos:

Ilegal, Imoral ou Irracional?
Tente responder às questões abaixo: a) O seu consumo é expressamente condenado no Antigo Testamento. b) Os consumidores desta substância foram ameaçados de excomunhão pelo papa Urbano VII. c) As pessoas que o usavam eram sumariamente condenadas à morte pelo sultanato turco no século 17. De que estamos falando? De cocaína, de heroína, de crack? Não. A resposta à terceira pergunta é: tabaco. A resposta à segunda: rapé. E a resposta à primeira é carne de porco. Nos três casos, a condenação resultou principalmente de razões morais. Podemos falar, mais apropriadamente, de tabu.
Moacyr Scliar




"Elas já foram finíssimas, como as de Greta Garbo e da top model Twiggy. Ou médias, como as das divas Audrey Hepburn e Marilyn Monroe. Nos anos 90 já num tamanho intermediário e com desenho recurvado. As sombrancelhas afinam e engrossam conforme a moda..."
Marília Cecília Prado, Elle, abril de 1998




Está sempre rondando todos nós. Chega pelo ar e muitas vezes faz tantas vítimas que se constitui em uma epidemia. Estamos falando de uma moléstia comum, reincidente, chata: a gripe ou resfriado. Na linguagem médica, os termos se equivalem. Mas o uso consagrou o nome gripe para designar a doença mais intensa. Mas a pergunta que atinge a todos é: como podemos nos defender? O resfriado é uma infecção respiratória aguda causada por vírus específicos.
Super Interessante, setembro de 1990



2.12 Declaração
Uma declaração forte lançada no início do texto surpreende o leitor, desperta seu interesse e pode levá-lo facilmente à leitura. Exemplos:

Exagero na dose
É meritório o esforço do Ministério da Saúde para prevenir a transmissão da Aids entre usuários de drogas injetáveis. A mais recente campanha com tal fim, no entanto, exagera na dose ao apelar a imagens como a de papel higiêncico, absorvente feminino e preservativo usados. A intensão é fazer uma associação direta com os perigos do compartilhamento de seringas descartáveis, fato responsável por um terço dos casos da doença registrados em Porto Alegre. Ao chocar o público-alvo pela crueza da temática, porém, os cartazes da campanha correm o risco de agredi-lo moralmente e afastá-lo dos programas de prevenção.
Zero Hora, 27 de junho de 1999




A marca do século é a comunicação. O diretor-presidente da RBS, Nelson Pacheco Sirotsky, provou sua afirmação no último dia do 12º Festival Mundial de Publicidade de Gramado com imagens, gravações antológicas do rádio brasileiro, trilha sonora de cinema e história da evolução dos meios de comunicação em quase cem anos. Começou com o código morse e desembarcou no ciberespaço da Internet.Tudo para indicar que o avanço dos meios intensificou as relações interpessoais. A grande produção, em estilo road-movie e exibida por quase uma hora, atraiu a platéia recorde do principal evento do setor na América Latina, que começou na última quarta-feira.
Zero Hora, 12 de junho de 1999


Como redigir um texto só com substantivos

1. Introdução
Poder-se-ia dizer que um texto construído apenas com substantivos é a exacerbação do estilo que emprega frases nominais. A apropriação desta técnica por parte do aluno é tarefa muito fácil. Mesmo assim, a produção de textos calcados neste esquema é muito útil, uma vez que abre espaço para que se discuta com os alunos a originalidade ou a informatividade do texto. Dito de outro modo, é preciso alertar os alunos de que eles deverão criar, recriar a partir de outros textos, uma vez que "escrever é aproveitar criativamente outros materiais interdiscursivos". É preciso alertá-los de que deverão ser originais, criativos na escolha da situação a ser narrada mediante esta técnica, e não repetir as dos modelos.
2. Textos
2.1 Textos-modelos

Circuito Fechado

Ricardo Ramos
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.






A Pesca

Affonso Ramos de Sant'Anna
o anilo anzolo azulo silêncioo tempoo peixea agulha vertical mergulhaa águaa linhaa espumao tempoa âncorao peixea bocao arrancoo rasgãoaberta a águaaberta a chagaaberto o anzolaquelíneoágilclaroestabanadoo peixea areiao sol




2.2 Textos de alunos

Vidinha Redonda

Kátia da Costa Aguiar
Esperma, óvulo, embrião, parto. Bebê, choro, sobressalto, cocô, xixi, fralda, leite, colo, sono. Doença, vômito, pavor, pediatra, remédio, preço. Murmúrio, passos, fala. Escola, lancheira, material, professora. Curiosidade, descoberta. Crescimento, desenvolvimento, pêlos pubianos, seios, curvas, menstruação, modess, cólica, atroveran, adolescência. Primeiro beijo, paixão, shopping center. Batom, esmalte, rinsagem, depilação. namorado, pressão, intimidade, culpa. Festa, pai, ciúme, relógio, motel, desculpa, dissimulação. Faculdade, trabalho, consciência, cansaço, sossego, idade. Noivado, loja, fogão, geladeira, cama, mesa, banho, aliança, chá-de-panela. Cartório, igreja, núpcias. Sexo, trabalho, sexo, trabalho, sexo, esperma, óvulo, licença, parto.






Trânsito

Luiza Fialho, Leandro Rangel, Paola Teodoro
Porta, banco, cintochave, afogador. Ufa! Acelera, engata, foi!2ª, 3º, 4ª,sinaleira,freio.Laranja,jornal,esmola,acelera, engata, foi!Salvador França,Ipiranga.Acelera, engata, foi!Ôpa! ficouCongestionamentoLiga rádio -Voz do Brasil...Desliga.Calor,cigarro,estacionamento lotado!Fila.Espera.Vaga.8 horas...Atrasado.






Dona-de-casa

Carine Vargas

Sol.Bom dia, dentes, filhos, uniforme,merenda, café, carro, escola, carro, supermercado,carne, pão, banana, refrigerante, alface, cebola,tomate. Carro,casa, cama, lençol, travesseiro, colcha, roupa, lavanderia, máquina, sabão, sala,almofada, pano, pó, cortina, tapete, feiticeira. Banheiro, descarga, balde, água,desinfetante, toalha molhada, lavanderia, arame, prendedor. Cozinha, pia,tábua, faca, panela, fogão, bife, arroz, molho, feijão, salada, mesa, toalha,pratos, talheres, copos, guardanapos, carro, escola, filhos, carro, almoço, mesa,pia, louça, armário, fogão, piso. Televisão, jornal, filhos, tema, lanche, leite,nescau, pão, margarina, banana, louça, pia, armário. Carro, filhos, natação,futebol, mensalidade, espera, revista, filhos, carro, casa. Vizinha, conversarápida, lavanderia, arame, roupas, agulha, linha, camisa, calça, ferro de passar.Janta, marido, filhos, sala, televisão, família reunida, dinheiro, discussão,cozinha, mesa, louça, pia, armário. Filhos, sono, escova, creme dental, cama,beijo, durmam com os anjos. Portas chaveadas, janelas fechadas,banho, sabonete, água, toalha, creme no corpo, camisola,renda, escova, cabelo, perfume, dentes limpos,cama, marido, sexo, sono, boa noite,Lua.






Quinhentos anos sem respirar

Fábio Canatta
Oca, pajé, tribo, mata, virgem, caça, pesca, coleta, pureza, perfeição. Santa Maria, Pinta e Nina. Descoberta. Portugueses, povoamento, contato, colonização, dominação. Pau-brasil, devastação, comércio. África, negro, banzo, trabalho, humilhação, escravidão. Engenho, moenda, caldeira, senzala, sofrimento, agressão. Senhores, quilombo, Palmares, luta, liberdade, prisão. Entradas, bandeiras, violência, domesticação. Ouro, extração, arrobas, derrama, inconfidentes, esgotamento, rebelião. Brasil, império, D. Pedro, proclamação. Primeiro, segundo reinado, constituição, regência, continuação. Conturbação, agitação, guerras: Balaiada, Sabinada, Farrapos (separação). Chimangos, maragatos, República Rio-Grandense do Prata, sonho, revolução. Café, crise, comércio, importação, abolição, imigração. Suíços, belgas, italianos, alemães. República. Café-com-leite, Hermes, Nilo, Pena e Venceslau. Canudos, Conselheiro, revolta, Antônio, misticismo, monarquia, sertão, genocídio e covardia. Operário, indústria, crise, revoltas, tenentes, dezoito, constituição, de novo. Estado, novo? Autoritarismo, Getúlio, Guerra, Segunda. Redemocratização, atentados, mortes, ricos, poucos, pobres, muitos. Jk, Brasília, vários, outros. Ameaça, comunismo - comunismo? - Estados Unidos da América, Brother Sam, Jango, golpe, tirania e repressão. Opressão, medo, violência, ditadura. Castelo, Geisel, Médici. Mais, crise, multinacionais, abertura, burrice, degradação. Guerrilha, luta, seqüestro, tortura, política, submissão. resistência. Gabeira, Marighela, Lamarca, extradição. AI-5. Protesto, passeata, Herzog, 100 mil, pressão, povo, rua, emoção. Lágrimas, marchas e contramarchas. Manifestos, anistia, abertura, lenta, gradual. Diretas, já, povo, cidadãos. Tancredo, civil, conciliação, transição. Tumor, benigno, cirurgias, seis, fé, rezas, medo, morte. Frustração. Choro, Sarney, Constituição, cruzado, verão, fiscais, recorde, inflação. Eleições, Fernando, Lula, Brizola. Campanha, segundo, turno, Globo, Collor, Lula. Baixarias, ofensas, comunismo, medo. Lula, ignorante, operário, feio, burro. Collor, vitória. caçador, marajás. marajá, caçado. Globalização, abertura, de novo, tudo, crise, poupança, confisco. Povo, de novo, rua, manifesto, passeata, impeachment. Itamar, moeda, real, ministro, futuro, candidato. Eleições, sociólogo-ex-ministro, versus, torneiro-mecânico. Plim-plim. De novo. Fernando, de novo, tudo, de novo, crise, pobreza e humilhação. Imperialismo, colônia, my brother, desnacionalização, economia, pobreza, real, irreal, medo, aniversário, 500, anos. Brasil, país, futuro, incerto.




Como realizar a intertextualidade

1. Introdução
A competência em leitura e em produção textual não depende apenas do conhecimento do código lingüístico. Para ler e escrever com proficiência é imprescindível conhecer outros textos, estar imerso nas relações intertextuais, pois um texto é produto de outro texto, nasce de/em outros textos. A essa relação (que pode ser explícita ou implícita) que se estabelece entre textos dá-se o nome de intertextualidade. Ela influencia decisivamente, como estamos afirmando, o processo de compreensão e de produção de textos. Quem lê deve identificar, reconhecer, entender a remissão a outras obras, textos ou trechos. As obras científicas, os ensaios, as monografias, as dissertações, as teses, por exemplo, remetem explicitamente a autores reconhecidos, que corroboram os pontos de vista defendidos. A compreensão de uma charge de jornal implica o conhecimento das notícias do dia. A leitura de um romance, conto ou crônica aponta para outras obras, muitas vezes de forma implícita. Nossa compreensão de um texto depende assim de nossas experiências de vida, de nossas vivências, de nosso conhecimento de mundo, de nossas leituras. Quanto mais amplo o cabedal de conhecimentos do leitor maior será sua competência para perceber que o texto dialoga com outros, por meio de referências, alusões ou citações, e mais ampla será sua compreensão. As referências são muitas vezes facilmente perceptíveis, identificadas pelo leitor. Por exemplo, no anúncio publicitário sobre meias "Os fins justificam as meias", o leitor percebe de imediato a recriação da máxima "Os fins justificam os meios". Há, por outro lado, referências, alusões muito sutis, compartilhadas ou identificadas apenas por alguns leitores, que têm um universo cultural, um conhecimento de mundo muito amplo. O texto a seguir ilustra o que foi dito.

Outras Vidas

Vanessa Mello
Acredita-se que, para viver outras vidas, é necessário morrer primeiro e, depois de algum tempo, voltar. Eu já vivi muitas vidas, e nada disso foi preciso. Morei em outros países, em épocas diferentes e até em séculos passados. Tudo em uma única vida, a minha. Beber "Cherry Brand" nos bares de Paris era uma das coisas que eu adorava fazer, mas um dia, algo terrível aconteceu e acabou com minha alegria. Me transformei em barata. Todos se afastaram de mim, tinham medo e nojo. Até que conheci uma velha, acho que era vidente, que me falou sobre meu amor, tão perto de mim e eu o desconhecia. Foi na Ilha de Paquetá e eu realmente encontrei o amor. Estava naquele garoto que eu conhecia desde criança. Casei-me com um homem incorrigível, que amava e odiava ao mesmo tempo. Ele morreu, mas não me deixou e passei pela deliciosa experiência de ter dois maridos. Vivi uma paixão impossível e valsei sem melancolia, sem arrependimento. Presenciei a ditadura, no ano de 1968 e, apesar de algum tempo, parece que ainda não acabou. Construí o império dos Diários e Emissoras Associados e muito contribuí para a comunicação. Passava os dias na Praça da Alfândega, convivendo com os mais variados tipos, na época de seus Anos Dourados. Conheci muitos lugares. Viajei de barco durante cem dias e fiquei maravilhado com a natureza, com o litoral brasileira e até com a África que nunca chamou minha atenção. Ainda sinto o cheiro do mar. Outra viagem interessante que fiz me revelou fatos que não conhecia sobre o descobrimento do Brasil. Integrei o Clube do Picadinho, que diminuía a cada encontro. Sabíamos de quem era a vez, mas nunca desistimos. A emoção e o perigo faziam com que essas fossem as melhores refeições. Esses são apenas alguns relatos de minha vida. Poderia ficar por horas contando minhas aventuras, descrevendo todas as pessoas que conheci e relembrando os infinitos amores que tive. Talvez em outro encontro. Mas antes de me despedir, quero contar como foi o meu primeiro contato com esse mundo maravilhoso. Aconteceu quando eu ainda era criança e minha mãe me apresentou à Turma da Mônica e depois ao palhacinho Alegria. Eles se tornaram meus companheiros e, à medida que fui crescendo, ganhei novos amigos. Tenho um poder espantoso. Através dele, conheci novo sentimentos, senti o gosto de novas comidas e bebidas, sem nem mesmo ter experimentado, vesti-me como as "sinhazinhas" do século passado, senti fome como Fabiano. Essa capacidade mágica que tenho não é exclusividade minha, ela está adequada a minha personalidade, mas todos podem ter, é só querer. Além de adquir cultura e informação, desenvolvi minha criatividade, tive uma visão mais ampla de certos assuntos. Dou asa a minha imaginação, e permito-me conhecer novos costume, lugares, vidas, mundos, sentimentos.




No segundo parágrafo, a autora faz referência a três livros: "Paris é uma festa" (E. Hemingway), "A moreninha" (J. M. de Macedo) e "Metamorfose" (F. Kafka). No terceiro, a "Dona Flor e seus dois maridos" (J. Amado) e "Valsa para Bruno Stein" (C. Kiefer). No quarto, a "Chateau, o rei do Brasil" (F. Moraes). No quinto, a um livro de Amir Link. Mais adiante, a Maurício Cardoso e finalmente, a "Vidas Secas" (G. Ramos). O texto se refere às experiências de leitura da autora. Os teóricos costumam identificar tipos de intertextualidade, entre os quais podemos destacar:
a que se liga ao conteúdo, isto é, a que se refere a temas ou assuntos contidos em outros textos, mediante referências explícitas (citações, com identificação da fonte) ou mediante referências implícitas;
a que se associa ao caráter formal, isto é, mediante textos que imitam o estilo, a liguagem de um autor ou obra (imitação de linguagem bíblica, jurídica; imitação da linguagem de João Guimarães Rosa; etc.). Um leitor competente identifica facilmente essas relações, esse diálogo entre textos.
A intertextualidade, como dissemos, também diz respeito à possibilidade de um texto ser criado a partir de outro(s) texto(s). Quem escreve não escreve no vazio, pois um texto não surge do nada. Nasce de/em outro(s) texto(s). Pode-se dizer que escrever é a habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos, outros textos. É por isso que quem lê (de forma inteligente, conforme expusemos no capítulo "Como desenvolver a competência textual") está em situaçõa privilegiada para escrever, uma vez que se apropria, mediante a leitura, de idéias e de recursos de expressão. Para ilustrar o fenômeno da intertextualidade bem como para pôr em destaque sua relevância no momento da produção textual, apresentamos a proposta de trabalho aplicada nas salas de aula da Famecos / PUCRS. Trata-se de produzir uma crônica a partir de uma notícia de jornal: uma mãe dá à luz um filho, às portas do hospital, e é socorrida por populares, que envolvem a criança na Bandeira do Brasil, pois participavam do desfile de 7 de Setembro. Para a realização do texto, apresenta-se a crônica de Fernando Sabino, em que o aluno observa, entre outros fatos, o estilo (frases curtas, nominais, repetições, etc.). Apresenta-se também pequeno trecho do poema "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo Neto. A tarefa consiste em produzir a crônica apropriando-se do estilo de Fernando Sabino e inserindo adequadamente passagens do poema.
2. Textos
2.1 Textos dos quais os alunos devem se apropriar

Notícia de Jornal

Fernando Sabino
Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca, 30 anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da cidade, permanecendo deitado na calçada durante 72 horas, para finalmente morrer de fome. Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos e comentários, uma ambulância do Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar auxílio ao homem, que acabou morrendo de fome. Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou que o caso (morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em homens que morrem de fome. E o homem morreu de fome. O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Anatômico sem ser identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome. Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem. E os outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar. Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome, com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar nenhum. Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os homens, sem socorro e sem perdão. Não é da alçada do comissário, nem do hospital, nem da rádiopatrulha, por que haveria de ser daminha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer de fome. E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido. Morreu de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão de fome, pedindo providências às autoridades. As autoridades nada mais puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam deixar que apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam fazer senão esperar que morresse de fome. E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição, tombado em plena rua, no centro mais movimentado da cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, um homem morreu de fome.






Morte e Vida Severina

João Cabral de Melo Neto
De sua formosurajá venho dizer:é um menino magro,de muito peso não é,mas tem o peso de homem,de obra de ventre de mulher.De sua formosuradeixai-me que diga:é uma criança pálida,é uma criança franzina,mas tem a marca de homem,marca de humana oficina.Sua formosuradeixai-me que cante:é um menino guenzocomo todos os desses mangues,mas a máquina de homemjá bate nele, incessante.Sua formosuraeis aqui descrita:é uma criança pequena,enclenque e setemesinha,mas as mãos que criam coisasnas suas já adivinha.De sua formosuradeixai-me que diga:é belo como o coqueiroque vence a areia marinha.De sua formosuradeixai-me que diga:belo como o avelóscontra o Agreste de cinza.De sua formosuradeixai-me que diga:belo como a palmatóriana caatinga sem saliva.De sua formosuradeixai-me que diga:é tão belo como um simnuma sala negativa.É tão belo como a socaque o canavial multiplica.Belo porque é uma portaabrindo-se me muitas saídas.Belo como a última ondaque o fim do mar sempre adia.É tão belo como as ondasem sua adição infinita.Belo porque tem do novoa surpresa e a alegria.Belo como a coisa novana prateleira até então vazia.Como qualquer coisa novainaugurando o seu dia.Ou como o caderno novoquando a gente o principia.E belo porque com o novotodo o velho contagia.Belo porque corrompecom sangue novo a anemia.Infecciona a misériacom vida nova e sadia.Com oásis, o deserto,com ventos, a calmaria.




2.2 Textos de alunos

Pariu no Corredor do Hospital

Renata Appel
Leio no jornal a notícia de uma mulher que pariu no corredor do Hospital Fêmina. Jovem, negra, pobre, pariu no corredor do hospital, com poucos socorros, em pleno banco estofado, em meio a enfermeiras, médicos e pacientes. Somente abriu as pernas e deu à luz. Pariu no corredor do hospital. Gritou por ajuda, clamou por assistência médica. No entanto, o tempo não pôde esperar e acabou parindo em pleno corredor. Gestante pariu no corredor de hospital. A enfermeira disse que havia falta de quartos. Fêmina apresentava super lotação de parturientes. E a pobre negra somente abriu as pernas e deu à luz. Eis que de seu ventre surge um menino magro. De muito peso não é, mas tem peso de homem, de obra de ventre de mulher. É uma criança pálida e franzina. Mas tem a marca de homem, marca de humana oficina. Pariu no corredor do hospital. Entre diversas enfermeiras, médicos e pacientes. Mulher pobre. Sozinha. Miserável. Gestante. Jovem demais. Negra. Baixo nível. Ignorante. Um bicho, uma coisa - não foi tratada como digna parturiente. E pariu no corredor do hospital. E eis que de seu ventre salta uma criança pequena. É tão bela como um sim numa sala negativa. Não é responsabilidade dos profissionais, nem do hospital, nem das autoridades. O que têm a ver com o fato? Deixa a mulher parir em pleno corredor. E ela, o que faz? Jovem e destemida dá à luz sobre um banco estofado, sem recursos e com pouco auxílio. E eis que de seu ventre nasce o menino. Somente após o ocorrido, a jovem é amparada. Nos braços, o rebento abençoado infecciona a miséria com vida nova e sadia.




Observe-se como a autora se apropria habilmente de recursos lingüísticos encontrados na crônica de Fernando Sabino:

Crônica de Fernando Sabino
A repetição "morreu de fome"(18 ocorrências)Frases nominais: "Um homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um um homem."
Texo de Renata Appel
A repetição "pariu no corredor do Hospital"(7 ocorrências)Frases nominais: "Mulher pobre. Sozinha. Miserável. Gestante. Jovem demais. Negra. Baixo nível. Ignorante. Um bicho, uma coisa - não foi tratada como digna parturiente."



Observe-se igualmente como a autora insere passagens do poema de João Cabral de Melo Neto:


· " Eis que de seu ventre surge um menino negro. De muito peso não é, mas tem peso de homem, e franzina. Mas tem a marca de homem, marca de humana oficina.
· É tão bela quanto um sim numa sala negativa
· ... infecciona a miséria com vida nova e sadia.




É evidente que a repetição de expressões, o uso adequado de frases curtas, nominais, fragmentadas e a referência aos versos do poema "Morte e vida severina" conferem à crônica traços de literariedade.

Um comentário:

Anônimo disse...

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